Na tarde do dia 17 de novembro de 2020 foi veiculado áudio em que o ex-candidato a Prefeito Valter Nagelstein afirma que “Basta a gente ver a composição da câmara, cinco vereadores do PSOL, muito deles jovens, negros, quer dizer, aquele discurso que o pessoal foi incutindo na cabeça das pessoas. Vereadores esses sem nenhuma tradição política, sem nenhuma experiência, sem nenhum trabalho, com pouquíssima qualificação formal”.
O ex-candidato assumiu a autoria do áudio em seu twitter, repisando que, na perspectiva dele, muitos dos eleitos tem pouca qualificação formal e negando qualquer preconceito em sua fala.
No entanto, é dever desta Comissão explicitar as razões pelas quais o discurso de Valter é baseado em vieses racistas. Isso porque não há eco na realidade sua afirmação.
Dentre as cinco candidaturas negras eleitas em Porto Alegre, filiadas a três legendas diferentes, quatro pessoas possuem ensino superior completo, uma inclusive está cursando o Mestrado Acadêmico, e apenas uma possui ensino superior incompleto.
A vereadora eleita Karen Santos é educadora física pela UFRGS e Professora da Rede Estadual. O vereador eleito Matheus Gomes é graduado e mestrando em História pela UFRGS. A vereadora eleita Daiana Santos é graduada em Análise de Políticas e Sistemas de Saúde, também pela UFRGS. A vereadora eleita Laura Sito é jornalista e servidora pública municipal. A vereadora eleita Bruna Rodrigues é estudante de Administração Pública e Social, também pela UFRGS. É preciso dizer que temos nome, sobrenome e história.
Dessa forma, é possível observar que todos/as vereadores/as eleitos/as negros/as possuem acesso à qualificação formal, bem acima da média nacional, independente de sua filiação partidária. Ainda, cumpre salientar que o próprio ex-candidato, segundo informações de seu site, possui graduação em Direito e pós-graduação no nível de especialização.
Assim, a afirmação de que os/as vereadores/as eleitos/as negros/as possuem “pouquíssima qualificação formal” não encontra eco na realidade, uma vez que o próprio Valter possui titulação similar àqueles que ataca.
O que justifica, portanto, a sua declaração é apenas uma coisa: racismo. Uma sociedade permeada pela discriminação por cor justifica que muitas pessoas expressem vieses inconscientes racistas, automaticamente vinculando pessoas negras a posições de subalternidade e irracionalidade.
Neusa Souza Santos, psicanalista, em seu livro “Tornar-se negro” (1983), explicita com o mito do negro “irracional” é alimentado em nossa sociedade, de forma a falsear a realidade:
“O irracional, o feio, o ruim, o sujo, o sensitivo, o superpotente e o exótico são as principais figuras representativas do mito negro. Cada uma delas se expressa através de falas características, portadoras de uma mensagem ideológica que busca afirmar a lineariedade da “natureza negra” enquanto rejeita a contradição, a política e a história em suas múltiplas determinações. (fl. 27)
Ressaltamos que os candidatos negros eleitos possuem qualificação para ocupar os cargos os quais foram legitimamente escolhidos no pleito, sendo a fala do Sr Valter completamente inverídica e sem qualquer propriedade, com o fito de desqualificar os candidatos apenas por sua cor, o que é inadmissível.
Assim, em sua fala, ao escamotear a verdade - que todas vereadores e vereador negros possuem acesso à qualificação formal - o ex-candidato a prefeito acaba por reforçar o mito de que as pessoas negras não possuem a capacidade intelectual para ocupar posições de poder e retira o mérito destas por suas conquistas. Esse discurso é nefasto para a própria construção da democracia, na medida em que a Câmara Municipal deve ser formada por pessoas diversas, que efetivamente representem a sociedade. É esse eco que observamos na composição da legislatura 2021-2024 do legislativo municipal.
Karla Meura
Presidente da Comissão Especial de Igualdade Racial da OABRS.
Contribuíram para a construção deste documento:
Cristiane Eveline Ferreira da Silva
Luana Pereira
Marcelo Regius Gomes Bastos
Mateus da Silva Rosa Pereira
Paula Muller
19/11/2020 16:59