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Saudação de Fábio Luiz Gomes ao professor Ovídio A. Batista

06/11/2008 11:57

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SAUDAÇÃO AO PROFESSOR OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA NO SEMINÁRIO “TUTELA DE URGÊNCIA”, EM SUA HOMENAGEM, PROMOVIDO NO DIA 06 DE NOVEMBRO DE 2.008 PELA ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA DA OAB/RS

1) Saúdo os organizadores e conferencistas. Congratulo-me com a Escola Superior de Advocacia, nas pessoas dos Prof. Carlos Alberto Oliveira e Artur da Fonseca Alvim por esta feliz e sábia iniciativa de homenagear um dos maiores processualistas brasileiros de todos os tempos.

2) Agradeço o convite para fazer esta saudação, com toda a certeza o que mais me honrou até hoje por tratar-se de homenagem: a um monumento das letras jurídicas do país, a uma verdadeira lenda viva da advocacia, ao único Mestre, na acepção que este designativo contém, que nesses 35 anos nos quais vivi o Direito, pude encontrar, a um homem cujos valores humanos e morais jamais, em 30 anos de convivência, vi quebrantar-se nas situações mais delicadas ou desafiadoras. 

3) Confesso que não sei a razão pela qual os organizadores desse evento tiveram a bondade de escolher-me para desfrutar da honra de fazer esta saudação. Talvez porque sabedores da minha amizade, admiração e gratidão ao Prof. Ovídio.

- Afianço a todos, entretanto, e aqueles que me conhecem sabem, que tais sentimentos não ensejarão exageros no que eu disser, pois jamais atribui qualidades a quem efetivamente não as tem.

- Posso afiançar, com toda a certeza: o que eu disser estará aquém do que pode ser dito sobre o Prof. Ovídio.

- O privilégio de saudar o Prof. Ovídio, face à magnitude da sua obra e da sua pessoa, certamente poderia ser considerada uma tarefa fácil, mas justo por tais razões, acrescidas da emoção de fazê-lo, para mim é das mais difíceis. Na verdade a mais difícil que até hoje me coube.

- Espero ter força emocional para chegar ao seu final. Aliás, e saindo do meu estilo, vou procurar não falar de improviso, pois com toda a certeza a emoção não me deixaria chegar ao fim.

4) Eu disse que estamos – e todos aqui o sabemos – diante de um gigante das letras jurídicas, eu não diria deste país, mas das nações de língua portuguesa, sem esquecermos da edição peruana de “JURISDIÇÃO E EXECUÇÃO NA TRADIÇÃO ROMANO-CANÔNICA”, uma de suas obras magistrais, requisitada pelos juristas daquele país após uma conferência dos Prof. Ovídio.

- Falar da importância de cada uma das mais de 30 obras do Prof. Ovídio, as quais se encontram a nossa disposição, certamente seria uma demasia, tratando-se de uma saudação. Até porque, e em primeiro lugar, me sinto pequeno para fazê-lo; e em segundo, porque não caberia em uma saudação e nem em um seminário de uma tarde. Seria induvidosamente necessário um Congresso. Certamente um dia será organizado este congresso. 

Orientei esta saudação no sentido de trazer aos presentes algumas peculiaridades que permearam a trajetória do Prof. Ovídio como jurista, como Mestre, como advogado e como ser humano, deixando de lado, em face do tempo, muitas outras circunstâncias que igualmente mereceriam ser tratadas, como, por exemplo, a sua carreira política.

5) Iniciarei falando do MESTRE, o que para mim se revela mais fácil.

Foi o único dos quais convivi a merecer tal designação, pela forma abnegada, paciente e carinhosa com a qual sempre tratou e segue tratando seus alunos. Com tal dedicação exerceu e segue exercendo sacerdotalmente o magistério.

Mas o Prof. Ovídio não foi e segue sendo um Mestre apenas. Não. Ele não só se dedicou abnegadamente  aos seus alunos, como criou escola,  a sua volta formando-se grupos de estudos com métodos próprios. No Rio Grande do Sul,  foi o precursor da criação dos Cursos de Pós-Gradução em Direito.

Quando o Prof. Ovídio chegou em Porto Alegre, vindo da sua querida e histórica São Borja em1979, não obstante a tradição do Estado na área jurídica, aqui não havia um Curso de de Pós-Graduação sequer. E foi o Prof. Ovídio quem, enfrentando todas as dificuldades e resistências que então se apresentaram, criou o Curso de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica. Mais recentemente contribuiu decisivamente para a consolidação do Curso de Doutorado da Unisinos.

O Prof. Ovídio jamais deixou de receber e, pacientemente, orientar um aluno. Enquanto seu colega de escritório durante 15 anos, várias vezes detectei sua preferência por atender um aluno a receber um cliente novo ... Obviamente não descurava da sua atividade advocatícia; tratava-se de uma questão que lhe ditava o coração. Sua casa hoje é um templo do Direito, onde ele semanalmente recebe grupos de estudos que buscam seus ensinamentos.

Atualmente convalescendo de uma cirurgia, está aqui conosco e em seguida vai, mais uma vez, nos brindar com sua sabedoria (ontem, já passado das 21:30 horas, eu liguei para o Professor e sua esposa, Dona Dona Jacynta, questionada por mim se ela já havia se recolhido, disse-me, em uma crítica carinhosa a seu incurável amor aos livros, que ele podia, sim atender, pois estava no “Santuário”, ou seja, na sua biblioteca ...).

Aos alunos legou seu “Curso de Porcesso Civil”, além da uma “Teoria Geral do Direito Processual Civil” para a qual tive a honra de contribuir modestamente.

Como curiosidade aos que não tiveram o privilégio de ser alunos do Prof. Ovídio, trago aqui 2 recordações:

Uma, datada de 1979, que foi a primeira “Bibliografia Básica” que ele passou aos seus alunos do Curso de Especialização da PUC, dentre os quais eu me encontrava. Trata-se da “Bibliografia Básica” com 70 obras indicadas para leitura obrigatória, mais uma “adição” – que imagino ele tenha esquecido por descuido, de outras 6 ....

A outra é mais recente e trata-se de uma dedicatória que ele me fez ao me presentear com um exemplar da edição peruana da “Jurisdición y execución em la tradición romano-canónica”. Vou lê-la, não para me luzir, obviamente, mas para que se tenha uma idéia da grandeza do Mestre que se revela em sua humildade:

 “Ao Fábio Gomes, amigo, colega e aluno, o leitor desta obra que, em sua versão original, reputou-a valiosa e inovadora. Homenagem do autor ao primeiro leitor que apreendeu sua mensagem”.

- A humildade do Mestre se revela na razão pela qual ele detectou que eu apreendi a mensagem: É que após ler seu livro por três vezes, e dele elaborar de um resumo, eu sugeri a ele que orientasse os leitores a começar a leitura do livro pelo Capítulo XI, pois só assim se conseguiria apreender os densos ensinamentos contidos nos 10 primeiros. E ele acatou minha sugestão e passou a recomendar aos leitores que começassem pelo Capítulo XI ...

6) Do advogado de escol, forjado inicialmente no exercício anônimo e criterioso da profissão, hoje procurado para atuar nas mais complexas causas que tramitam no Judiciário do país, eu sou testemunha e posso afirmar que além de todas as demais qualidades, sempre foi um bravo, um guerreiro, e ao mesmo tempo sereno frente aos resultados. Ensinou-me ele que o advogado não pode perder a capacidade de se surpreender, sob pena de se tornar um estressado infeliz.

Magnânimo, sensível e humano, praticou durante toda sua vida - e ainda o faz – o exercício da Assistência Judiciária àqueles que bateram em sua porta muitas vezes desesperados pela luta desigual que enfrentavam. E foi nestas causas que o vi atuar com maior destemor e abnegação, revelando aí a grandeza e os atributos mais caros que pode lograr um ser humano.

Auriu da advocacia a matéria e os elementos indispensáveis à viabilização de seus estudos e reflexões que encontramos em suas obras. E para que seja compreendido o que falo, passo a ler uma elucidativa passagem de uma de suas obras, qual seja, “Jurisdição, Direito Material e Processo”, na qual ensina que o Direito é insuscetível de ser estudado e trabalhado sem que se tenha presente os fatos da vida. Ensina o Prof. Ovídio:

“A estrutura elementar de qualquer julgamento, seja jurídico ou moral, pressupõe juízos sobre condutas humanas, portanto nunca decisões sobre puras normas. Descobre-se o direito a partir do fato. Sem fato contextualizado, o direito, que é uma espécie de conhecimento prático, não poderá ser descoberto.

Pois bem, se isto é verdade, então não será o direito, abstratamente contido nos Códigos, o objeto da decisão judicial. A jurisdição não cuida de um direito subjetivo. Trata-o como uma realidade espacial e temporalmente situada, a partir de um conjunto de fatos e circunstâncias que lhe darão concreção.

Esta óbvia exigência, de resto, está expressa no art. 131 do Código de Processo Civil, que mando o juiz atender aos fatos e circunstâncias das causas. É claro que esta exigência não poderá estar contida na norma que dispõe sobre direitos subjetivos, normatizados num dado preceito legal. Os fatos e circunstâncias da causa  jamais estarão contidos na norma” (pág. 277).

7) COMO JURISTA e AUTOR, eu diria que estamos frente ao homem que viabilizou ao Brasil passar da era da modernidade para a pós-modernidade. No mundo jurídico brasileiro, eu diria, se me permitem a comparação, que com o Prof. Ovídio nós encerramos o ciclo da República Velha e alcançamos a social democracia.

Mas como o tempo só respeita as coisas construídas com tempo, a consecução desta obra, em março deste ano, completou 50 ANOS !

- Há 27 anos atrás eu tive o privilégio de receber um presente do Prof. Ovídio. E aqui está, amarelada pelo tempo, uma cópia original do seu arquivo, uma petição datada de 27 de março de 1.958. O prof. Ovídio entregou-me esta cópia com uma pequena dedicatória, que hoje se revela histórica para as letras jurídicas do país, cujos termos são os seguintes:

“Meu caro Fábio Gomes
 Esta petição por mim redigida em 27 de março de 1.958, contém as origens de minhas cogitações iniciais a respeito do processo cautelar, pesquisas essas que se prolongaram, com perseverança e entusiasmo, por 20 anos, quando na Páscoa de 1.978, conclui meu estudo sobre cautelares inominadas.

Faço-te oferta desta petição (cópia do arquivo) por ter ela valor sentimental para mim, ligando-me a um passado de boas recordações de lutas e vitórias no exercício anônimo e criterioso da advocacia.

Espero que essa aura de afetividade, que envolve este trabalho, possa cimentar ainda mais nossa amizade”.

Porto Alegre, 14 de junho de 1.981.
Ovídio A. Baptista da Silva.”

- Previamente à conclusão, na Páscoa de 1.978, da sua clássica “Ação Cautelar inominada no Direito Brasileiro”, já havia o Prof. Ovídio editado a “Doutrina e Prática do Arresto ou Embargo” e “As ações cautelares e o Novo Processo Civil”.

Em 1.973, antes portanto de entrar em vigor o atual Código de Processo Civil, na sua obra “As ações cautelares e o novo Processo Civil”, diagnosticava o Prof. Ovídio:

“O tema das ações cautelares, ou ações assecurativas, tem sido pouco explorado pela doutrina brasileira e a própria jurisprudência dos nossos Tribunais, na ausência de um suporte doutrinário consistente, tem vacilado sem rumo, as mais das vezes presas a um casuismo despido de qualquer orientação sistemática”.

- Nos idos de 1.978, há trinta anos atrás, mesmo após 4 anos de vigência do Novo Código de Processo Civil, como escreveu o Prof. Ovídio no prefácio da “Cautelar Inominada”, o otimismo com que foi recebido o tratamento das cautelares no novo Código revelou-se extraordinariamente exagerado, porquanto, nas palavras do Mestre “A resposta dada pelos Tribunais às esperanças da doutrina nacional, como não poderia deixar de ser, é das mais melancólicas”.

É que não havia sido construída até então, e em bases sólidas, uma teoria orgânica da ação cautelar, cientificamente fundada. E induvidosamente a doutrina nacional deve esta construção ao Prof. Ovídio.

O estudo sistemático, abrangente e profundo dos principais temas de processo, aliado aos desafios impostos por uma advocacia meticulosa e artesanal ensejaram ao Prof. Ovídio um “insigth”: a visualização do instituto da antecipação de tutela.

-Sim, o Direito brasileiro deve a ele a inserção da antecipação de tutela no nosso sistema processual.

- Em 1983, durante o Iº Congresso Nacional de Direito Processual que o Prof. Ovídio e seus alunos ajudaram a OAB gaúcha a organizar aqui no Rio Grande do Sul para comemorar os 10 anos de vigência do Código, o Prof. Ovídio apresentou a tese, a proposta de inserção deste instituto visualizado por ele no Código de Processo, o que consubstanciou um instrumento da maior relevância para os lidadores do Direito. Mais do que para estes, na verdade tratou-se de uma verdadeira revolução progressista; uma arma geralmente necessária ao menos favorecido para enfrentar o “status quo” daquele que dispunha da vantagem de estar usufruindo o bem da vida pertencente ao outro, e que continuaria dele desfrutando por muitos anos, enquanto durasse a tramitação do processo, em um sistema que não consegue atender o volume de demandas.

Sabidamente, o Prof. Ovídio já legou muito mais para a ciência processual. São clássicos os seus livros, ensaios e artigos sobre coisa julgada, ação de imissão de posse, ação de direito material, jurisdição, e tantos outros. Como falei inicialmente, precisaríamos de um Congresso para estudar e debater suas teses.

Mas trata-se aqui de uma saudação.

Este nosso querido jurista, como jurista que é, com certeza não se limitaria aos temas de processo. Sábio, tem muito clara a importância da filosofia, da história, da hermenêutica e da sociologia para a compreensão e manejo do Direito..

O Prof. Ovídio foi um dos primeiros juristas deste país, para não se dizer o primeiro, a dar-se conta de que os princípios sobre os quais assentaram-se as instituições modernas haviam perdido sua vigência. De que a era do racionalismo esgotara-se. Debruçou-se desde logo no estudo destes fenômenos e nos brindou com preciosidades como “Jurisdição e Execução na tradição romano – canônica”, “Jurisdição, Direito material e processo” e “Processo e Ideologia”.

Nessas obras, além das lições de história dos institutos que nos legou o Direito Romano e tantas outras, mostrou-nos que não obstante desaparecidos aqueles princípios, as estruturas por eles forjadas continuam intactas, e que somente a compreensão destes fenômenos vai nos permitir a superação da secular crise que contamina o nosso sistema.

Ensinou-nos o Prof. Ovídio a vital distinção entre verdade e significado, e que a contínua busca da primeira, além de caracterizar uma ilusão, presta serviços a um conservadorismo que só interessa à minoria dominante. Enfim, o processualista legou-nos ensinamentos de filosofia e hermenêutica, indispensáveis ao manejo do processo e à obtenção da Justiça.

-Sobre o tema “Jurisdictio romana e jurisdição moderna”, tive a ventura de assisti-lo ensinando em Coimbra há 1 ano atrás e vê-lo aplaudido de pé por alunos e professores da Universidade mais prestigiada, dentre todas nas quais o Direito é ensinado em língua portuguesa. Aplaudido de pé, inclusive por personalidades da envergadura de CASTANHEIRA NEVES.

Aliás, de CASTANEHRA NEVES, desse gigante das letras jurídicas, reconhecido como tal nas principais academias da Europa e da América, o Prof. Ovídio recebeu carta tecendo considerações sobre a obra “Processo e Ideologia”. Fui objeto de uma demonstração de carinho e apreço e recebi uma cópia da carta de CASTANHEIRA NEVES ao Prof. Ovídio há tempos atrás, e no dia de hoje não poderia deixar de compartilhar com vocês pelo menos uma passagem da mesma, como segue:

“Senhor Professor Ovídio Baptista da Silva, meu muito prezado colega:

......

Li, na verdade, o seu belo livro – reflexão veemente de um profundo compromisso de sentido – com empenhado interesse, num forte também estímulo reflexivo e enriquecimento cultural. Enriquecimento e também prazer intelectual que a profundidade das referências, a dominar afinal nossa civilização, e a agudeza das análises críticas não menos me proporcionaram. E é-me grato estar também de acordo com a sua crítica ao ‘anacronismo metodológico’ do ainda actual ensino do Direito e sobretudo com o entendimento deste como ‘uma questão logica’ e em geral com a matematização que lhe tem sido imposta pelo ‘paradigma racionalista’ do normativismo, com o seu dogmatismo forma”.

Ao concluir as considerações sobre a obra do Prof. Ovídio em sua longa e belíssima carta, CASTANHEIRA NEVES  enfatiza “como atentamente li e me fez reflectir o seu livro- livro importante e tão logrado por que muito sinceramente o felicito”.

Poucos, prezados amigos e colegas, com toda a certeza muito poucos, tiveram a honra de um tal reconhecimento.

Professor Ovídio: Obrigado por tudo quanto nos legou. Desde seus ensinamentos doutrinários, ao carinho e amizade. Considero-me um afortunado, como certamente todos que tiveram tal oportunidade também assim se consideram.

Fábio Luiz Gomes

 

06/11/2008 11:57



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