Zero Hora: A importância da reforma política e por que ela não saiu do papel
29/10/2014 10:06
"A principal reforma é, sem dúvida, a proibição de financiamento de campanhas por parte de empresas", destaca Claudio Lamachia, vice-presidente nacional da OAB.
A importância da reforma política e por que ela não saiu do papel
Por Eduardo Rosa
No primeiro discurso após o resultado da eleição, a presidente Dilma Rousseff reforçou que está disposta a dar prioridade à reforma política — tema discutido há anos no Congresso Nacional, mas que nunca saiu do papel. “Meu compromisso, como ficou claro durante toda a campanha, é deflagrar essa reforma, que é responsabilidade constitucional do Congresso e que deve mobilizar a sociedade num plebiscito por meio de uma consulta popular”, disse a petista na noite de domingo.
A defesa de um plebiscito para levar adiante a mudança no sistema político gerou controvérsias em sua própria base aliada. Líderes peemedebistas, correligionários do vice-presidente Michel Temer, reagiram. Presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) acredita que o melhor caminho é aprovar um projeto no Legislativo e, depois, submetê-lo a um referendo popular, como na proibição da venda de armas de fogo. “Um dos maiores recados dados aos governantes nas ruas em 2013, e agora nas eleições gerais de 2014, foi que a sociedade está atenta, madura e exigindo ser ouvida com mais assiduidade e mais respeito”, afirmou o parlamentar em nota.
Entenda por que a reforma política não colou
A diferença entre a ideia de Dilma e a de Calheiros consiste no seguinte: no plebiscito, são feitas perguntas sobre assuntos que podem compor a proposta; no referendo, a sociedade diz sim ou não a um projeto já formulado.
Mas, afinal, o que torna a reforma tão importante para o Brasil? O deputado Henrique Fontana (PT-RS), que foi relator de uma proposta que tramitou no Congresso, detalha: “O sistema político define a forma pela qual vão ser eleitos todos os governantes, as regras do jogo democrático e, portanto, a constituição do poder que decide todo o resto das nossas vidas. O poder que vai decidir a estrutura tributária, os investimentos, o orçamento. É como se fosse o alicerce da grande construção que é a democracia do país. E nosso alicerce tem problemas estruturais. Ou ele sofre uma reforma profunda, ou vai para um desgaste cada vez maior”.
Propostas defendem fim do financiamento por empresas
Francisco Fonseca, docente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), diz por que a reforma ainda não saiu da gaveta e os políticos seguem perdendo credibilidade. “O sistema é fundamentalmente protetor das elites, não permite que se faça reformas estruturais, como taxar grandes fortunas, delimitar tamanho de propriedade, grandes questões que mexem com as elites. Ele funciona de maneira travada: nenhum partido político chega com grande maioria ao Congresso, tem de governar com 15 partidos, grande parte dos partidos é conservadora. Esse é o grande entrave”, analisa Fonseca.
O professor de Ciência Política considera o financiamento público de campanha a "reforma das reformas", assim como Claudio Lamachia, vice-presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que encabeçou um projeto de iniciativa popular ao lado de outras entidades e movimentos sociais.
“A principal reforma é, sem dúvida, a proibição de financiamento de campanhas por parte de empresas. Se pegarmos o custo da campanha eleitoral de 2010, que foi quase R$ 40 bilhões, e transportarmos para a expectativa que se tem para 2014, temos R$ 75 bilhões. O que se poderia fazer com esses recursos investidos em saúde, educação e saneamento básico? Mas o ponto de maior contrariedade que eu tenho não é nem o valor. Essas empresas não doam, elas investem, porque recebem de volta em prestações de serviço, em obras públicas. E isso acaba viciando o sistema como um todo”, defende Lamachia.
Professor do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Aloísio Ruscheinsky explica que a reforma política não passou no Congresso por divergências em relação àquilo que ela deve representar. “Existe um conjunto de proposições que estão em disputa de poder, com interesses políticos, econômicos e até culturais. É importante lembrar a diversidade do Congresso Nacional, dos partidos e dos interesses. Não é fácil chegar a um acordo para contemplar o mínimo ou a maioria possível. Nenhuma reforma política vai contemplar a todos”, ressalta Ruscheinsky.
“Seria equivocado dizer que a Dilma vai patrocinar uma reforma. A alteração da legislação é o Congresso que vai fazer. A Dilma pode ter interesse, mas é a maioria do Congresso que pode endossar uma proposta”, acrescenta.
O deputado Fontana classifica três hipóteses como as mais fortes para saírem da gaveta: a votação do projeto de iniciativa popular, a consulta à população sobre temas através de plebiscito (resultado obriga o Congresso a alterar a legislação eleitoral) e convocação de assembleia constituinte exclusiva para tratar do tema.
Durante a campanha, a presidente defendeu o fim do financiamento empresarial para as campanhas, fim das coligações partidárias nas eleições proporcionais e tipificação do caixa dois em crime eleitoral, além da organização de um plebiscito.
A Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, da qual participam OAB e CNBB, também defende a primeira proposta, assim como sistema proporcional em lista pré-ordenada e em dois turnos, alternância de gênero na composição da lista partidária, entre outros.
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